Todos os anos, no final de semana mais próximo do dia de Santo Antônio (13 de junho), a ONG Paz Sem Fronteiras prepara uma grande festa junina para as famílias de seus voluntários e a comunidade do entorno de sua sede, no bairro Olhos d’água, em Mairinque.
Nesta comemoração, os membros da ONG trazem as tradições de vários cantos do Brasil para abrilhantar essa celebração: chamam os homens solteiros para carregar e erguer o mastro de Santo Antônio, reúnem as moças para distribuir os pães do santinho (receita infalível para ter a prosperidade e abundância em casa), abençoam os casais, dançam quadrilha e, por fim, recriam a cerimônia do Bumba meu Boi.
Este ano, no entanto, o auto trouxe uma novidade: a apresentação de um novo boi para o festejo, que substituirá o que vinha sendo usado. A comunidade se despediu do Boi Vitorioso e deu boas vindas ao Boi Esperança, que passará a participar dos próximos eventos folclóricos promovidos pelos voluntários.
Uma JOIA trazida do Maranhão
A festa do Bumba Meu Boi é originária do Piauí, mas espalhou-se por todo Brasil, sendo especialmente forte no Estado do Maranhão. Apesar de bem mais antigo, seu primeiro registro histórico é encontrado em um jornal do Recife, em 1840. Atualmente o bumba meu boi maranhense detém o título de Patrimônio Cultural do Brasil concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e o de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Em 2011, durante uma visita à cidade de São Luís do Maranhão para participar do festival de cinema, Ana Vitória Vieira Monteiro, fundadora da ONG Paz Sem Fronteiras, descobriu a fantasia do boi Vitorioso em um museu. Encantada com o imenso valor cultural, estético e espiritual da peça, ela decidiu que não descansaria enquanto não conseguisse trazer essa preciosidade para o estado de São Paulo, onde essa tradição poderia criar novas raízes.
Depois de extensas negociações, Ana Vitória assumiu o compromisso de promover anualmente essa festividade por meio de sua organização, e trouxe o artefato consigo para o Sudeste. Foram doze anos de celebrações em Mairinque, durante a festa de Santo Antônio. Em fevereiro de 2024, porém, Ana Vitória avaliou que já era tempo de devolver o Boi Vitorioso para seu berço de origem; para isso, um novo boizinho precisaria ser criado para ocupar o lugar do valoroso boi maranhense.
Como construir um boi
Quem aceitou a missão de construir esse novo figurino foi o casal de artesãos, e também veterinários, Luciano de Assis Pinheiro e Gisele Trizzine. “Foram três meses de trabalho quase ininterrupto”, pondera Luciano. “Mas criar uma peça de tanto valor e significado faz o esforço valer a pena.”
O processo teve início com uma análise cuidadosa do boi maranhense. Nesse estágio, os conhecimentos de veterinária de Luciano e Gisele fizeram a diferença. “A fantasia tradicional apresenta uma anatomia similar ao esqueleto do animal vivo, que dá firmeza e estrutura ao brinquedo”, explica. O artesão de início tentou utilizar varas de marmelo revestidas por buriti, como no Maranhão, mas não conseguiu fazer com que o material chegasse em tempo hábil. Assim, optou por utilizar bambu negro (Phyllostachys nigra Muchisasa), variedade rara da gramínea que já havia sido plantada no terreno da sede da ONG. “O bambu-negro foi colhido durante a lua minguante do mês de maio, de acordo com as técnicas ancestrais de artesanato, visando obter maior proteção contra a deterioração e aumentando a durabilidade da estrutura”, complementa.
Brilho nos olhos
A etapa seguinte foi montar a cabeça do novo boi, feita com técnica mista de empapelamento e papel machê com chifres de boi de verdade. Foram aplicadas de sete a nove camadas de papel, até que se alcançasse o formato desejado. Nesse estágio, Luciano inovou e aplicou luzes de LED nos olhos do boi, feitos com cristal de murano, para que ele chame mais atenção durante a cena.
O artesão aponta que a inclusão também estava entre as preocupações do projeto: “Como a estrutura é toda oca, o boi ficou muito leve, o que permite que qualquer mulher ou homem possa servir de ‘miolo’, dar vida ao personagem e se movimentar com agilidade.”
A etapa mais longa veio a seguir: o bordado. “Eu nunca havia bordado na vida! Foi um processo intenso de aprendizado, tomando por base o que podíamos observar no boi maranhense original”, explica Luciano. “Houve desenhos que foram feitos e desfeitos duas ou três vezes, até alcançarmos o resultado no nível que esse projeto exige.”
Nesse processo delicado, a participação de Gisele Trizzine foi ainda mais importante. “Eu criava os desenhos enquanto Gisele costurava os ornamentos. Como ela é cirurgiã e tem grande habilidade com as agulhas, pegou fácil a técnica do bordado com pedrarias.” Foram 35 dias de trabalho intenso, em que o casal se dedicou mais de 12 horas por dia para, com cuidado, fazer surgir no boizinho flores, folhas, pássaros, e a bandeira do Brasil.
Que alegria é ver seu renascimento
Os esforços valeram a pena. Na noite de 15 de junho, na sede da ONG Paz Sem Fronteiras em Mairinque (SP), os voluntários executaram um Auto do Boi único, em que o Boi Vitorioso morreu e ressuscitou acompanhado daquele que ocupará seu lugar nos próximos festejos: o Boi Esperança. “Foi Ana Vitória Vieira Monteiro, fundadora da ONG, que escolheu o nome, pois, segundo a tradição, ela é a ‘dona do brinquedo’. A intenção é afirmar a fé que nossa organização, e todos seus voluntários, têm na construção de um mundo melhor por meio da arte e desses rituais que nos ligam às tradições do nosso país”, explica Luciano. “Se a esperança é a última que morre, nosso Auto com o Boi Esperança será duradouro e trará a força dessa persistência para nossos trabalhos com a cultura da Paz.”
Os voluntários não pouparam esforços para compor todos os elementos tradicionais do festejo. Participaram da encenação, além dos dois bois, personagens folclóricos como o Amo (o cantador das toadas e responsável pelo cortejo do boi), o Cazumbá (o guardião do boi que afasta as más energias), o Vaqueiro (que toma conta da boiada e tenta salvar o boizinho), e a xamã (que abençoa seu renascimento), além de pai Francisco e Catirina (o casal que provoca a morte do boi). Também entraram em cena três coreiras, cinco pessoas dançantes, treze chapéus-de-fita, uma cigana, um indígena e sete músicos com pandeirões, matracas, tambores, trompete e violões . O número encantou a plateia de mais de 200 pessoas que acompanharam a performance, que durou aproximadamente 90 minutos.
Encerrada a festa, descanso? Nada disso. “Vamos agora finalizar alguns detalhes no Boi Esperança para que ele atinja o mesmo nível de primor do seu pai, o Boi Vitorioso, e vamos preparar toadas novas para o próximo evento”, planeja Luciano. Vitorioso está de malas prontas: até o final do ano, ele será devolvido para o museu do Maranhão de onde veio. Enquanto isso, o Boi Esperança já tem compromisso marcado: no dia 7 de fevereiro, aniversário de 80 anos de Ana Vitória Vieira Monteiro, ele reunirá novamente seu batalhão para, mais uma vez, abençoar a “Senhora Dona da Casa” e seus convidados.
É um primor poder fazer parte e poder ter sido a Catirina junto com o Victor, que fez o Pai Francisco.
O auto do boi é mágico. Trás muita sorte e abundância.
Agradeço muito de coração o Luciano e a Gisele por terem doado e entregue seu tempo para fazer o nosso boi ser o boi mais bonito da região!
Ê boi… 🍀🐂💕
A gente passa distraido por coisas grandiosas que estão acontecendo do nosso lado, o tempo todo.
Deus abencoe o Luciano e a Gisele pelo milagre da multiplicação dos bois.
Que lindo! Lindo de ver essa festa e de saber de toda essa dedicação por trás.
Bem Vindo Boi Esperança ✨
Gratidão Boi Vitorioso!
Eu me apaixonei pela festa do Bumba meu Boi pelas suas belezas e por suas mensagens!
Que conteúdo incrível! Adorei poder recordar e entender melhor as diversas perspectivas deste festejo tradicional. Viva a Paz Sem Fronteiras!
Aqui na chacara Sabá sentimos fortes energias positivas,agradecemos mais um ano com a visita do boi vitorioso e essa pessoas do bem!!
Fiquei muito feliz de acompanhar de perto a confecção do Boi Esperança pra reproduzir essa manifestação cultural que tem sátira, drama e tragédia! 🎭 A escolha do material, cada detalhe do bordado, e a dedicação do Luciano e da Gisele, que mostravam a cada dia, o boizinho ganhando forma, e cores, com paetê, miçanga, fitas, e pedraria!
Foi lindo ver o nosso boizinho surgindo pra iluminar os festejos de Santo Antônio e atender os desejos dos presentes. Ver a cultura do nosso país difundida com arte e leveza!
Parabéns! – A cada foto recebida, eu lembrava de uma frase que é atribuída a Ludwig Mies van der Rohe: “Deus está nos detalhes” – ou seja, cada detalhe importa, faça com primor, com amor, e com entrega. E foi o que vocês fizeram!
Pra mim foi uma honra participar da despedida do Vitorioso e do nascimento do boi Esperança com o chapéu dos Encantados.
Lembrava de cada detalhe, dos ensaios, e da Ana falando da tradição, do uso do chapéu bem reto, da delicadeza na abertura pra benção… de novo, é nos detalhes que está a beleza, e a graça! É nos detalhes que damos vida para o Bumba meu Boi!
Viva o Boi Esperança, que ele balanceie pelo salão por muitos e muitos anos!
Foi uma honra participar do auto do Boi Bumba, fazendo a despedida do Boi Vitorioso e o nascimento do Boi Esperança.
A feitura do Boi Esperança foi uma grande superação, nunca havia bordado nada ma vida e aprender e fazer o Boi foi umas das coisas mais mágicas que já vivi em minha vida.
Agradeço ao Boi Vitorioso por tanto que ensinou e Agradeço a oportunidade de vivenciar o nascimento do Boi Esperança.
Vida longa ao Boi Esperança.
Gratidão infinita ao Boi Vitorioso.
Agradeço a toda trupiada por toda a dedicação aos ensaios e entrega de cada um.
Até breve